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USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS PERTENCENTES ÀS COMPANHIAS HABITACIONAIS DE ECONOMIA MISTA



Debora Cristina de Castro da Rocha[1]

Claudinei Gomes Daniel [2]

Edilson Santos da Rocha[3]


Em se tratando de imóveis pertencentes às sociedades habitacionais de economia mista, a jurisprudência os considera como bens particulares, podendo estes serem objeto de usucapião, pela qualidade do direito de propriedade privada, sobre os quais incidem o prazo de prescrição aquisitiva, instituto jurídico que fundamenta a aquisição imobiliária por usucapião, ou seja, não estando, portanto, resguardados os bens pertencentes à companhias habitacionais pelo atributo da imprescritibilidade, inerente aos bens públicos, não se aplica, por conseguinte, as prerrogativas dos bens públicos aos bens das sociedades de economia mista, eis que dotadas de personalidade jurídica de direito privado.

Cabe a priori, em se tratando de imprescritibilidade de bens imóveis, reforçar as lições de José dos Santos Carvalho Filho, com o entendimento de que “os bens que passam a integrar o patrimônio das empresas públicas e das sociedades de economia mistas, provêm geralmente da pessoa federativa instituidora. Quando, todavia, são transferidos ao patrimônio daquelas entidades, passam a caracterizar-se como bens privados. E não são atribuídas a elas as prerrogativas próprias de bens públicos, como a imprescritibilidade, a impenhorabilidade, a alienabilidade condicionada etc”.[1]

Nesta senda, a usucapião urge no ordenamento jurídico brasileiro com o escopo de proteger a função social da propriedade, direito fundamental previsto no bojo constitucional em seu art. 5º, incisos XXII e XXIII, cumprindo, ainda, com a promoção da justiça social, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

Por este viés, considerando-se a classificação dos bens públicos e o instituto jurídico da usucapião, analisa-se a incidência da aquisição da posse em face da classificação ora exposta e à luz do art. 102 do Código Civil, que dispõe “Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.”

A propósito, por conseguinte, cabe se discutir a evolução das linhas gerais de políticas públicas habitacionais, como por exemplo o Sistema Financeiro de Habitação (SFH)[2], criado em 1964 para o mercado popular, com o objetivo de reduzir o déficit habitacional brasileiro.

Outra evolução como tal, a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo, fundada por meio da Lei nº 6.738, de 16 de novembro 1965[3], como missão inicial, atender ao aumento de demanda por moradia na metrópole que atraia, no tocante a população de baixa renda.

A COHAB por sua vez, surgiu em Curitiba, quando bairros em meio de ocupações irregulares estavam sendo submetidos a vários problemas de ordem social e estrutural, à época, Curitiba tinha pouco mais de 400 mil habitantes, mas já enfrentava problemas relacionados à habitação. Comunidades carentes se aglomeravam em ocupações irregulares e o primeiro desafio da companhia era erradicar as favelas da capital. Com este objetivo surgiu o primeiro projeto: a Vila Nossa Senhora da Luz.[4]

Logo, surgiu o projeto Minha Casa Minha Vida (MCMV)[5] do Governo Federal em parceria com a Prefeitura destinado às famílias com vulnerabilidades sociais.

Em que pese, os diversos programas sociais habitacionais listados, as habitações em imóveis irregulares ainda são uma realidade para muitos brasileiros. Muitos dos imóveis em várias localidades não têm a certidão de regularização fundiária.

A ausência de registro imobiliário pode trazer sérios problemas jurídicos ao possuidor, além de dificultar a venda, desvalorizar o terreno, ou ainda, impedir o financiamento como por exemplo, para construção ou possível reforma estrutural.

Direito à moradia é um direito social reconhecido a todos os brasileiros no âmbito dos direitos e garantias fundamentais declarados na Constituição Federal. É sabido pela sociedade que a moradia é desde os tempos remotos uma necessidade fundamental das pessoas de baixa renda, que é notoriamente, a grande maioria no país. Contudo, para os detentores do “poder”, ilusoriamente, assemelha-se não ser.

Desta forma, fora criada a Lei 13.465 de 2017[6], que dispõe sobre a regularização fundiária de imóveis rurais e urbanos, todavia, a aplicabilidade da referida legislação é totalmente dependente de um plano diretor, políticas públicas e entre outros dispositivos de interesse social, que impedem o regular andamento do procedimento.

Diante da morosidade em se obter a devida regularização, muitos moradores buscam dispositivos jurídicos afim de aflorar o seu direito de propriedade do bem imóvel, sendo o principal, a aquisição mediante usucapião.

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 124 de Jurisprudência em Teses, que aborda o tema Bens Públicos, dispondo o seguinte, os bens integrantes do acervo patrimonial de sociedades de economia mista sujeitos a uma destinação pública, equiparam-se a bens públicos, sendo, portanto, insuscetíveis de serem adquiridos por meio de usucapião[7].

A contrassenso, por sua vez, os Tribunais, inclusive o próprio Superior Tribunal de Justiça, têm reconhecido possibilidade de usucapião em imóveis de propriedade de Companhias Habitacionais, constituídas sob sociedade de economia mista, como ocorrido no entendimento da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que afastou a reintegração de posse e reconheceu usucapião de imóvel da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU).

O autor, adquiriu o imóvel de mutuários de planos de moradia há mais de 20 anos, no entanto, por inadimplência dos mutuários originais, a companhia ajuizou ação de reintegração de posse. Não obstante, diante do caso, o relator, apontou que a companhia não adotou nenhuma medida para retomar o imóvel antes de cinco anos, prazo previsto para consolidação da propriedade em caso de inadimplemento. "Não pode agora pretender retomar o imóvel, do qual não tem mais a propriedade, diante da transmudação da natureza da posse que ali passou a ser exercida", assim afirmou o magistrado.

Apelação – Reintegração de posse ajuizada pela CDHU – Pedido de usucapião em sede de contestação – Somente não são passíveis de usucapião, os bens públicos, a teor do art. 183, § 3º, da Constituição Federal e do art. 102 do Código Civil – As sociedades de economia mista se submetem ao regime de direito privado – Sentença reformada – Recurso provido para admitir a aquisição da propriedade pela usucapião.

(TJ-SP - AC: 02156577120098260005 SP 0215657-71.2009.8.26.0005, Relator: Luis Mario Galbetti, Data de Julgamento: 12/06/2019, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/06/2019)

No mesmo sentido, tem-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça dispondo que bens pertencentes à sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião. (Resp 647.355/MG)[8].

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA DE DEFESA. BEM PERTENCENTE A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.

I Entre as causas de perda da propriedade está a usucapião que, em sendo extraordinário, dispensa a prova do justo título e da boa-fé, consumando-se no prazo de 20 (vinte) anos ininterruptos, em consonância com o artigo 550 do Código Civil anterior, sem que haja qualquer oposição por parte do proprietário.

II Bens pertencentes a sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião. Precedentes. Recurso especial provido.

Considera-se nesse sentido, ser possível a pretensão aquisitiva por usucapião de imóvel pertencente às companhias habitacionais, desde que preenchidos os requisitos legais, demonstrando-se, assim, a possibilidade pelo deferimento da tutela almejada.

Portanto, é plenamente cabível a aquisição por usucapião, se a ação for proposta em tempo hábil, transcorrido período aquisitivo necessário ao reconhecimento da aquisição do domínio, assim como se demonstrados pelo possuidor, os requisitos de posse ad usucapionem, em plena conformidade com as regras do Código Civil, ou mesmo da Constituição Federal, no caso da usucapião especial de caráter social.

O objetivo da usucapião consiste em acabar com a incerteza da propriedade imobiliária, assegurando a paz e a tranquilidade na vida social pelo reconhecimento da propriedade em favor daquele que por longa data vem sendo o seu possuidor. Sua finalidade é o cumprimento da função socioeconômica da propriedade, de acordo com os artigos 6º e 170, da Constituição Federal de 1988.

A usucapião é uma forma de estabelecer a função social da propriedade (como moradia, subsistência, atividade econômica ou outro), para alguém que toma posse, cuida e preza pela manutenção de um bem que, na mão de seu dono, não esteja em consonância com suas obrigações com a sociedade. Além de assegurar a herança de uma família e a segurança da moradia.

Vale por fim, ressaltar a importância de se regularizar um bem imóvel, e especialmente, de cessar a situação de clandestinidade do possuidor, bem como para assegurar o direito à moradia, ou ao menos ser indenizado em caso de desapropriação.

[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo.. 16ª Ed. Editora Lumen Juris LTDA. Rio de Janeiro, 2006. p. 42. [2] Disponível em <https://www.caixa.gov.br/voce/habitacao/financiamento-de-imoveis/Paginas/default.aspx> Acessado em 28 de março de 2021. [3] Disponível em: <http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-6738-de-16-de-novembro-de-1965> Acessado em 28 de março de 2021. [4] Disponível em < https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/em-50-anos-de-historia-cohab-curitiba-beneficiou-mais-de-600-mil-pessoas/36353 > [5] Disponível em < https://www.caixa.gov.br/voce/habitacao/minha-casa-minha-vida/paginas/default.aspx> Acessado em 28 de março de 2021. [6] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13465.htm> Acessado em 28 de março de 2021. [7] Superior Tribunal de Justiça STJ Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/705563304/nova-edicao-de-jurisprudencia-em-teses-trata-de-bens-publico >; [8] Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL : REsp 647357 MG 2004/0038693-7 Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/33347/recurso-especial-resp-647357-mg-2004-0038693-7> Acessado em 20 de março de 2021.


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